A Homenageada
Aprender a ler o mundo com Carolina Maria de Jesus
O livro… me fascina. Eu fui criada no mundo. Sem orientação
materna. Mas os livros guiou os meus pensamentos. Evitando os
abismos que encontramos na vida. Bendita as horas que passei lendo.
Cheguei a conclusão que é o pobre quem deve ler.
Porque o livro, é a bussola que ha de orientar o homem no
porvir (JESUS, C. M. de. Meu estranho diário. 1996. p. 167).
“Método deste trabalho: montagem literária, [citação]. Não tenho nada a dizer. Somente a mostrar. Não surrupiarei coisas valiosas, nem me apropriarei de formulações espirituosas. Porém, os farrapos, os resíduos: não quero inventariá-los, e sim fazer-lhes justiça da única maneira possível: utilizando-os” (BENJAMIN, W. Passagens. 2007. p. 502).
“15 DE JULHO DE 1955 Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar” (JESUS, M. C. de. Quarto de despejo. Diário de uma favelada. 2016. p. 10).
“EDUCAÇÃO ׀ radical vivo que monta, arrebata e alumbra os seres e as coisas do mundo. Fundamento assentado no corpo, na palavra, na memória e nos atos. Balaio de experiências trançado com afeto, caos, cisma, conflito, beleza, jogo, peleja e festa. Seus fios são tudo aquilo que nos atravessa e toca. Encantamento de batalha e cura que nos faz como seres únicos de inscrições intransferíveis e imensuráveis. Repertório de práticas miúdas, cotidianas e contínuas, que serpenteiam no imprevisível e roçam possibilidades para plantar esperanças, amor e liberdade” (RUFINO, L. Vence-demanda: educação e descolonização. 2021. p. 5).
“10 DE MAIO Fui na delegacia e falei com o tenente. Que homem amavel! Se eu soubesse que ele era tão amavel, eu teria ido na delegacia na primeira intimação. (…) O tenente interessou-se pela educação dos meus filhos. Disse-me que a favela é um ambiente propenso, que as pessoas tem mais possibilidades de delinquir do que tornar-se util a patria e ao país. Pensei: Se ele sabe disto, porque não faz um relatorio e envia para os politicos? O senhor Janio Quadros, o Kubstchek[9] e o Dr. Adhemar de Barros? Agora falar para mim, que sou uma pobre lixeira. Não posso resolver nem as minhas dificuldades.
…O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora.
Quem passa fome aprende a pensar no proximo, e nas crianças” (JESUS, C. M. de. Quarto de despejo. Diário de uma favelada. 2016. p. 25).
“Aqui no nosso país nós já experimentamos esse debate quando se confrontaram, depois de um longo período de ditadura militar, a experiência de governos, digamos, de centro-esquerda e de direita. Todos falavam a mesma língua e parecia que o povo, essa ficção científica chamada ‘povo’, era a matéria em discussão” (KRENAK, A. Sobre a reciprocidade e a capacidade de juntar mundo. In: O sistema e o antissistema: três ensaios, três mundo no mesmo mundo. 2021. p. 70).
“…Quando um politico diz nos seus discursos que está ao lado do povo, que visa incluir-se na política para melhorar as nossas condições de vida pedindo o nosso voto prometendo congelar os preços, já está ciente que abordando este grave problema ele vence nas urnas. Depois divorcia-se do povo. Olha o povo com os olhos semi-cerrados. Com um orgulho que fere a nossa sensibilidade” (JESUS, C. M. de. Quarto de despejo. Diário de uma favelada. 2016. p. 33).
Rosana Zanelatto.